Quem conhece de perto o psiquiatra Audenis Peixoto, logo identifica que o entusiasmo apresentado nas respostas só poderia ser realmente dele. De personalidade cativante, o médico também está à frente da Gerência Geral do Hospital Escola Portugal Ramalho. Na entrevista à jornalista Betty Costa, o psiquiatra destaca o quão é prazeroso constatar o pioneirismo do HEPR – unidade hospitalar de referência no tratamento de transtornos mentais – através da realização de atividades que em literaturas recentes, ainda são consideradas ações de futuro em um hospital psiquiátrico.Betty Costa- De acordo com a renomada médica psiquiatra brasileira, Nise da Silveira, “o que melhora no atendimento é o contato afetivo de uma pessoa com outra. O que cura é a alegria, o que cura é a falta de preconceito.” Como o senhor analisa esta frase e em que ações realizadas podemos dizer que o HEPR já trabalha desta forma?
Audenis- Ensino aos meus alunos que o tratamento psiquiátrico se alicerça em vários pilares: medicamentoso, psicoterápico, familiar, ocupacional, social, além da própria colaboração do paciente, quando cônscio de sua patologia. A falta de apoio, de afeto, de respeito ao paciente pela sociedade, pela família e até por muitos profissionais da saúde são realmente peças fundamentais que atrapalham sua recuperação. No HEPR, orientamos para que todas as ações sejam carregadas de alegria, afeto e respeito ao paciente. Tentamos oferecer aos nossos funcionários condições adequadas de trabalho, afeto e motivação para execução de suas tarefas. As ações de Enfermagem, da equipe de Recreação, das equipes técnicas de cada enfermaria, emergência ou ambulatórios são norteadas pelos mesmos princípios. As famílias são trabalhadas e estimuladas a uma participação mais ativa. Reuniões de equipes, discussões interssetoriais, supervisão clínica, elaboração de rotinas e protocolos e as grandes ações de ressocialização são as ferramentas que dispomos para atingir os melhores resultados junto aos nossos usuários.
Betty Costa- Entendemos que as residências terapêuticas contemplam indivíduos com alta hospitalar ou sem referência familiar. O HEPR já propõe esse método há bastante tempo. Como se dá esse direcionamento?
Audenis- Temos uma residência em Fernão Velho, onde 11 pacientes do sexo feminino residem, sob acompanhamento de uma cuidadora e supervisão de uma técnica do HEPR. São pacientes que tiveram longo tempo de permanência no HEPR e não tinham para onde ir, mesmo sem quadro psiquiátrico que justifique sua permanência em hospital. Lá, elas se mantém com suas próprias aposentadorias ou benefícios, têm mais liberdade, participam de atividades da comunidade, são engajadas à ESF local, ajudam nas atividades caseiras, produzem e vendem seus trabalhos manuais. Passeiam, vão às festas, visitam amigos e os recebem também. A grande maioria não tem familiares e as que têm não são recebidas por eles, ou não conseguem conviver com eles. Além desta casa, temos outra no Benedito Bentes, com 5 vagas para pacientes do sexo masculino no mesmo molde da de Fernão Velho. Outros pacientes estão de volta para suas famílias ou “adotados” por técnicos do próprio hospital, vivendo em suas residências, mantendo o acompanhamento ambulatorial e inseridos na sociedade
Betty Costa – Mesmo em bibliografias mais recentes, observei que algumas ações dentro de um hospital psiquiátrico, ainda são consideradas de futuro, a exemplo de uma terapia religiosa, bem como haverá uma biblioteca bem variada, contando, também com terapeutas ocupacionais especializados em vários jogos e atividades físicas. No hospital psiquiátrico do futuro atividade física fará parte do tratamento. Sabemos que no HEPR, esses, entre outros, são projetos implementados há muitos anos. Como o senhor se sente em constatar o pioneirismo desta unidade hospitalar?
Audenis- Felícissimo. O pioneirismo do HEPR se deve a toda a equipe de funcionários que atua aqui. Desde Lucia Santa Ritta e Rosimeire Rodrigues à frente de nossa Unidade, somos ousados e buscamos o melhor para nossos usuários. Ainda temos muito a alcançar, mas fomos o primeiro hospital a implantar Saúde Ocupacional. Nossos pacientes têm atividades recreativas diariamente e isto inclui academia e outras atividades esportivas, religiosas, culturais, artísticas. Mensalmente, temos atividades que incluem a comunidade externa. Nosso São João é um exemplo recente disto. O culto evangélico nas tardes de sexta-feira também. A festa dos enamorados para os funcionários feita pelo NGP/GTH/Recreação/UAN, com a participação de tantos colaboradores, o apoio dos coordenadores e representantes de setores. Enfim, é muito gratificante e motivo de muito orgulho dirigir um hospital que acredita em mudanças, que investe nas pessoas, que é pioneiro em muitas ações, que é referência em Saúde Mental em nossa região e que abraçou a humanização de seus usuários internos e externos como uma das suas maiores prioridades.
Betty Costa- Em termos gerais, quais são os avanços que o senhor destacaria ao longo dos anos, no país e em nossa região, no tratamento dos transtornos mentais?
Audenis- O maior respeito ao portador de transtornos mentais, com a diminuição do estigma que estas patologias trazem;
Em nível local, a maior capacitação científica, com o funcionamento das residências médicas de psiquiatria da UNCISAL/HEPR e da UFAL/HU, bem como da residência de enfermagem psiquiátrica da UNCISAL/HEPR;
A maior humanização no tratamento, envolvendo familiares, buscando a reinserção social, o vínculo com a comunidade;
o surgimento de medicamentos com menos efeitos colaterais e cada vez mais eficazes; alguns dos mais caros distribuídos pelo Estado;
O entendimento em nível nacional que é necessário muito mais do que é oferecido, que equipes multiprofissionais devem estar envolvidas neste tratamento.
Ressalto, entretanto, que muitos outros avanços poderiam ser alcançados se fossem colocadas em prática as diretrizes discutidas em tantas reuniões e conferências, como as lançadas pela ABP há alguns anos. Infelizmente, muitos itens sugeridos e outros já legalizados não saem do papel.